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Coronavírus e Covid-19

Última atualização em 22 de dezembro de 2020

SARS-CoV-2

Em dezembro de 2019, uma série de casos de pneumonia, sem etiologia identificada, foi notificada na cidade de Wuhan, China (Zhu, 2020). O agente identificado foi caracterizado como betacoronavirus, pertencente ao subgênero sarbecovirus, da família Coronaviridae, tendo sido reconhecido como o sétimo coronavírus humano. O mesmo se mostrou geneticamente relacionado ao SARS-CoV, responsável pela epidemia de SARS entre 2002 e 2004. O agente foi inicialmente denominado Novo Coronavírus 2019 (nCoV) e posteriormente SARS-CoV-2. A doença por ele causada foi denominada Doença pelo Coronavírus 2019 (COVID-19).

Os coronavírus constituem uma grande família de vírus comuns em muitas espécies diferentes de animais, incluindo o homem, camelos, bovinos, gatos e morcegos. Eventualmente os coronavírus de animais podem infectar pessoas, se adaptar ao novo hospedeiro e depois se espalhar entre seres humanos, como ocorreu antes com os outros coronavírus.

Modo de transmissão

De acordo com as evidências atuais, a transmissão do SARS-CoV-2 ocorre principalmente entre pessoas por meio de gotículas respiratórias ou contato com objetos e superfícies contaminados. A transmissão por meio de gotículas ocorre quando uma pessoa permanece em contato (a menos de 1 metro de distância) com uma pessoa infectada quando ela fala, tosse, espirra ou mantém contato direto como, por exemplo, aperto de mãos, seguido do toque nos olhos, nariz ou boca (WHO, 2020).

Secreções respiratórias ou gotículas expelidas por indivíduos infectados podem contaminar superfícies e objetos, criando fômites (superfícies contaminadas). Vírus SARS-CoV-2 podem ser encontrados nessas superfícies por períodos que variam de horas a dias, dependendo do ambiente (incluindo temperatura e umidade) e o tipo de superfície. Portanto, a transmissão também pode ocorrer indiretamente pelo contato com superfícies no ambiente imediato ou objetos contaminados com vírus de pessoa infectada (eg. estetoscópio, termômetro), seguido de toque na boca, nariz ou olho.

Além disso, têm-se acumulado evidências científicas do potencial de transmissão da COVID-19 por inalação do vírus contido em aerossóis (partículas menores e mais leves que as gotículas), especialmente em curtas e médias distâncias. Alguns procedimentos médicos em vias aéreas (ex. manipulação direta da via aérea, intubação e extubação de pacientes, procedimentos de aspiração) podem produzir aerossóis que são capazes de permanecer suspensos no ar por períodos mais longos. Quando tais procedimentos são realizados em pessoas com COVID-19, em unidades de saúde, tais aerossóis podem conter o vírus e ser infecciosos. Estes podem ser inalados por outras pessoas que não estejam utilizando equipamentos de proteção individual (EPI) apropriados. Ainda não está claro se os aerossóis gerados pela terapia de nebulização ou oxigenoterapia de alto fluxo são infecciosos, pois os dados sobre isso ainda são limitados.

O RNA do SARS-CoV-2 também foi detectado em outras amostras biológicas, incluindo urina e fezes de alguns pacientes. Estudos encontraram SARS-CoV-2 viável na urina e fezes de pacientes infectados. No entanto, até o momento, não houve relatos publicados de transmissão de SARS-CoV-2 por estes tipos de materiais biológicos. Outros estudos relataram a detecção de RNA SARS-CoV-2, tanto no plasma quanto no soro, podendo o vírus se replicar nas células sanguíneas. Entretanto, o papel da transmissão pelo sangue permanece incerto. Baixos títulos virais no plasma e soro sugerem que o risco de transmissão por essa via pode ser baixa.

Período de transmissão

A transmissão viral pode ocorrer mediante exposição a indivíduos sintomáticos e assintomáticos, sendo a fase de maior risco observada em período limitado durante o curso da infecção. Nos casos sintomáticos, o período de incubação costuma se estender até 14 dias, sendo que a maioria dos indivíduos costuma iniciar os sintomas na primeira semana após o contágio. Indivíduos assintomáticos diagnosticados com infecção pelo SARS-CoV-2 poderão evoluir ou não com sintomas durante o período de monitoramento e a sua classificação somente poderá ser determinada retrospectivamente. Caso não apresentem sintomas durante todo o período de acompanhamento, serão classificados como casos assintomáticos. Aqueles que se tornarem sintomáticos durante o período de monitoramento serão classificados como casos pré-sintomáticos.

Transmissão por caso pré-sintomático

Existem evidências de que o SARS-CoV-2 pode ser detectado de 1 a 4 dias antes do início dos sintomas da COVID-19 e que, portanto, pode ser transmitido no período pré-sintomático. A transmissão pré-sintomática ocorre, em geral, 48 horas antes do início dos sintomas. Estudos têm demonstrado que uma proporção importante dos novos casos estão relacionados à transmissão por indivíduos assintomáticos ou pré-sintomáticos.

É importante reconhecer que esta forma de transmissão ocorre pelas mesmas vias observadas nos casos sintomáticos, como por meio de gotículas infecciosas, aerossóis (em situações especiais) ou pelo contato com superfícies contaminadas por essas gotículas.

Transmissão por caso sintomático

Por definição, um caso sintomático de COVID-19 é aquele que desenvolveu sinais e sintomas compatíveis com a infecção pelo vírus SARS-CoV-2. Dessa forma, a transmissão sintomática refere-se à transmissão por um indivíduo enquanto está apresentando sintomas. O SARS-CoV-2 é transmitido principalmente por pessoas sintomáticas e sua presença é mais alta no trato respiratório superior (nariz e garganta) no início do curso da doença, desde os primeiros sinais e sintomas.

Os dados disponíveis indicam que pessoas com COVID-19 leve a moderada podem transmitir o vírus não mais que 10 dias após o início dos sintomas. Pessoas com doença mais grave ou crítica ou pessoas imunocomprometidas, provavelmente podem transmitir o vírus não mais que 20 dias após o início dos sintomas.

Transmissão por caso assintomático

O caso assintomático caracteriza-se pela confirmação laboratorial do SARS-CoV-2 em um indivíduo que não desenvolve sintomas durante toda a evolução do quadro infeccioso. O SARS-CoV-2 também pode ser transmitido por pessoas assintomáticas. Assim, a transmissão assintomática refere-se à contaminação a partir da exposição a um indivíduo infectado que não apresentou manifestação clínica da COVID-19.

Os dados disponíveis indicam que a dinâmica da replicação viral em indivíduos assintomáticos é semelhante aos casos sintomáticos. Como não é possível estimar o período de transmissão das manifestações clínicas, costuma ser orientado o isolamento por 10 dias a partir da data de coleta do exame que confirmou o diagnóstico.

As pessoas recuperadas podem continuar apresentando o RNA detectável de SARS-CoV-2 nas amostras respiratórias superiores por até 12 semanas, após o início da doença, embora em concentrações consideravelmente mais baixas que durante a doença, em faixas nas quais o vírus competente para replicação não foi recuperado com segurança e que a possibilidade de infecção é improvável. É importante destacar, que os dados atualmente disponíveis são derivados de evidências em adultos. Dados equivalentes de crianças e bebês não estão disponíveis no momento.

Patogênese

A COVID-19 é uma condição reconhecida há muito pouco tempo, havendo disponibilidade de conhecimento muito limitado sobre diversos de seus aspectos, incluindo a conduta terapêutica mais adequada. Como apresentado na seção de abordagem clínica, estima-se que a maioria dos indivíduos acometidos (cerca de 80%) apresenta manifestações clínicas leves a moderadas. Nestes casos, até o momento não há disponibilidade de evidências de benefício de qualquer intervenção terapêutica. A maioria dos guias terapêuticos sugerem a utilização de medicamentos sintomáticos e monitoramento clínico cuidadoso. Nos casos graves e críticos diversas modalidades terapêuticas têm sido utilizadas, com graus diferenciados de evidências em relação aos seus benefícios (Wu, 2020).

A patogênese da doença ainda é parcialmente compreendida, entretanto informações valiosas têm sido produzidas e disponibilizadas rapidamente na literatura científica. A discussão aprofundada da fisiopatologia da COVID-19 está além dos objetivos deste protocolo. Porém, a apresentação sumária dos principais conceitos poderá dar uma visão mais ampla e integrada do assunto, possibilitando recursos para a aplicação das diversas modalidades terapêuticas aos diferentes casos da doença, de acordo com a sua apresentação clínica e a estratificação de cada caso.

Como qualquer vírus, o SARS-CoV-2 é um patógeno intracelular e a sua manifestação clínica está diretamente relacionada ao seu tropismo celular. Assim, a identificação das diferentes células que o vírus é capaz de infectar poderá ser útil na melhor compreensão da sua patogênese. A proteína de superfície (S ou Spike) deste vírus possui afinidade de ligação com o receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE-2) (Ou, 2020). Este receptor está presente, com diferentes graus de expressão, em células de diversos tecidos, como epitélio respiratório ciliado, pneumócitos tipo 2, tecido renal, cardiovascular, epitélio intestinal, testicular, endotélio vascular, dentre outros (Jia, 2005). Esta informação nos possibilita compreender que a COVID-19 não consiste em doença restrita ao trato respiratório, podendo se apresentar, especialmente nos casos mais graves, como uma doença multissistêmica. Existem também evidências de que parte da disfunção causada pela infecção viral poderia ser explicada pela depleção e consequente insuficiência dos receptores de ACE-2, levando à conversão prejudicada de angiotensina II em angiotensina 1-7 (Gupta, 2020; Verdecchia, 2020). O predomínio de angiotensina II está associado à vasoconstrição, ativação inflamatória e trombogênese, que poderiam explicar parte dos fenômenos observados na doença. Além disso, estudos demonstram que a expressão de receptores de ACE-2 é menor em indivíduos do sexo masculino, tem característica decrescente com a progressão da idade e está diminuída em indivíduos com hipertensão, diabetes mellitus e doença cardiovascular, todos reconhecidos como fatores de risco para doença grave (Felsenstein, 2020; Parks, 2020). Apesar da possibilidade da existência desta via patogênica, não existem até o momento informações sobre a sua utilização para o desenvolvimento de modalidades terapêuticas.

Após a infecção viral, várias interações entre o SARS-CoV-2 e o sistema imunológico do hospedeiro podem ser observadas e as suas características podem explicar em parte os diferentes desfechos possíveis na evolução clínica dos indivíduos acometidos. Tem sido reconhecida a capacidade viral de evadir da resposta imune inata, que é responsável pela defesa do hospedeiro na fase inicial da infecção (Felsenstein, 2020). Esta inibição da resposta do hospedeiro pode explicar o caráter em geral mais benigno do quadro clínico nos primeiros dias de infecção, quando comparado à história natural do vírus influenza. Isto pode explicar porque indivíduos com deficiência da imunidade inata, como idosos e acometidos por diabetes, podem ser, na fase mais avançada da doença, mais comumente acometidos de doença grave. Tal achado também sugere que a utilização precoce de medicamentos imunomoduladores pode levar a pior prognóstico e desfecho desfavorável da doença.

A replicação viral nas células acometidas inicialmente resulta em dano celular por efeito citopático, ou seja, por lesão viral direta. O dano celular, com resultante liberação de substâncias intracelulares (alarminas) representa um potente estímulo para a ativação da imunidade inata, que resultará em inflamação local e sistêmica, além de dano celular adicional (Gupta, 2020; Felsenstein, 2020). A presença de dano tecidual representa uma fragilidade local para a ocorrência de infecção bacteriana secundária, que por sua vez agrava a inflamação e o dano tecidual. A inflamação e dano do tecido pulmonar, em especial na barreira alvéolo-capilar resultará em piora das trocas gasosas, que terá como resultado a progressiva hipoxemia, com consequente dano celular adicional a diversos tecidos orgânicos (Felsenstein, 2020). Estudos recentes têm demonstrado a capacidade viral de infectar e causar lesão de células endoteliais, favorecendo a coagulação intravascular, com formação de trombos que resultam em isquemia e lesão celular. Assim, os fenômenos tromboembólicos representam uma manifestação bastante comum da COVID-19, quando comparada a outros agentes infecciosos. A lesão endotelial parece se somar ao estado de hipercoagulabilidade associado à inflamação sistêmica e possivelmente à disfunção de ACE-2, tornando a sua ocorrência muito mais comum (Iba, 2020). Os fenômenos tromboembólicos podem ser observados tanto no leito arterial (acidente vascular cerebral, síndrome coronariana aguda, trombose arterial periférica), quanto no venoso (trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar). Porém, em muitos casos a sua ocorrência se restringe ou predomina na microcirculação, causando isquemia e dano celular silencioso, dificilmente detectados no exame clínico ou de imagens. O fenômeno de trombose microvascular parece ser mais significativo no tecido pulmonar, causando alterações microvasculares, ao nível da membrana alvéolo-capilar, que explicarão em grande parte a hipoxemia grave e refratária observada nos casos mais graves. Neste sentido, os marcadores de lesão tecidual (enzimas celulares) ou disfunção orgânica podem ser utilizados como indicadores de lesão tecidual e, nos casos mais graves, servir como guia na definição da terapia anticoagulante (Iba, 2020).

A exposição resumida e esquemática da patogênese da doença tem como finalidade a compreensão da sua complexidade e, sobretudo, da sua característica de retroalimentação, consistindo em um complexo círculo vicioso em que os fenômenos se retroalimentam. Esta abordagem favorece a compreensão da importância de buscar agir, com a maior precocidade possível, nos vários nós desta complexa rede fisiopatológica. Os recursos terapêuticos disponíveis serão esquematicamente agrupados nas categorias de terapia antiviral, antimicrobiana, imunomoduladora (anti-inflamatória), anticoagulante e suporte ventilatório.

História natural da doença

A infecção pelo SARS-2 possui um amplo espectro clínico, podendo se manifestar desde como infecção assintomática até doença grave e potencialmente letal. A história natural da doença costuma apresentar cronologia bem característica, cujo reconhecimento pode facilitar a sua compreensão e ter grande importância na adequada abordagem dos pacientes. Nos casos sintomáticos, o período de incubação costuma se estender até 14 dias, embora a maioria dos indivíduos costume iniciar os sintomas na primeira semana após a infecção (Lauer, 2020). Na primeira semana de doença (fase de infecção aguda) costumam predominar os sintomas sistêmicos, acompanhados ou não das manifestações respiratórias e digestivas, que tendem a ser leves. A doença pode ter caráter bifásico, com melhora transitória e relativa piora dos sintomas na segunda semana (fase pulmonar), quando alguns pacientes podem apresentar manifestações características de pneumonia viral ou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com diferentes níveis de gravidade (Huang, 2020). Na terceira semana, a maioria dos pacientes costuma evoluir para a fase de convalescença, marcada por melhora lenta e progressiva da adinamia e da tosse. Alguns indivíduos, porém, evoluirão para a fase de hiperinflamação, marcada pela piora da função pulmonar (SARA), hipercoagulação, insuficiência circulatória, dano e disfunção de múltiplos órgãos (Siddiqi, 2020).

Neste sentido, a avaliação clínica dos indivíduos deve levar em consideração esta dinâmica temporal, devendo considerar a estratificação de risco como procedimento a ser realizado e revisado durante todo o período de monitoramento clínico. Dados disponíveis na literatura sugerem que na segunda semana de doença, especialmente no intervalo entre o 7º e o 10º dia (período crítico), costumam se tornar mais claros os sinais de que o indivíduo apresentará evolução para o pólo mais grave da doença (Huang, 2020). Neste momento, a presença de sinais de alarme e a alteração dos marcadores laboratoriais prognósticos, podem identificar precocemente aqueles pacientes que mais se beneficiarão de intervenções terapêuticas e de suporte (Zhou, 2020). Os dados disponíveis da casuística local têm demonstrado que a média de tempo de procura para internação e de ocorrência dos óbitos tem sido mais precoce. Tais dados podem sinalizar uma evolução mais rápida entre os nossos pacientes ou, mais provavelmente, sugerir dificuldades na comunicação no momento da anamnese.

Salientamos a importância de buscar identificar a data dos primeiros sintomas, considerando que o início insidioso e o caráter bifásico da doença podem fazer com que o paciente negligencie os primeiros dias de sintomas, prejudicando a sua notificação e adequado manejo. Também é importante padronizar a forma de contabilizar os dias de sintomatologia, especialmente em doenças de rápida evolução (eg. dengue, febre amarela, influenza, COVID-19). Tradicionalmente, na abordagem das doenças infecciosas, o primeiro dia de sintoma costuma ser contabilizado no cálculo. Assim, ao ser atendido no dia 23, o paciente que iniciou sintomas no dia 19, será considerado como estando no 5º dia de doença (ex. 19, 20, 21, 22 e 23).

Manifestações clínicas

A infecção assintomática é uma apresentação comum, embora a sua prevalência ainda não seja completamente determinada, sendo estimada em cerca de 40 a 45% dos casos (Oran, 2020). A apresentação mais característica da doença consiste na síndrome gripal, que costuma se caracterizar pela associação de síndrome febril (febre, adinamia, cefaleia, mialgia, artralgia e anorexia) e síndrome respiratória aguda (tosse, rinorreia, dor de garganta, dispneia e dor torácica). O diagnóstico diferencial mais importante deve ser feito com o resfriado comum, influenza, pneumonia da comunidade, amigdalite bacteriana e outras afecções do trato respiratório superior. Em uma proporção significativa dos indivíduos costumam ser identificados distúrbios sensoriais, como anosmia e disgeusia, que são considerados bastante característicos da COVID-19 (Huang, 2020; Chen, 2020; Wang, 2020; Zhang, 2020; Guan, 2020). Até metade dos indivíduos pode apresentar sintomas digestivos (diarreia, náuseas, vômitos e dor abdominal), que algumas vezes predominam nos primeiros dias de doença, sendo necessário o diagnóstico diferencial com quadros de gastroenterite aguda e até abdome agudo. Cerca de 10% dos indivíduos podem apresentar inicialmente síndrome febril aguda isolada (indiferenciada), podendo ser considerada a hipótese diagnóstica de dengue ou seus diagnósticos diferenciais (Pan, 2020). Apresentações clínicas menos comuns são as alterações dermatológicas, conjuntivite, miocardite, distúrbios neurológicos, dentre outros (Gupta, 2020).